terça-feira, 27 de abril de 2010

sábado, 24 de abril de 2010

Adultérios

A vizinha, que não era esperta nem nada, abriu a porta e já foi entrando:

- Carlos, seu safado! Eu sei que você está aqui. Apareça.
- Mas que confusão é essa? - com voz sonolenta, surge pelo corredor um rapaz alto e bem novo.
- Cadê aquela galinha da sua mãe? Eu sei que ela está com o meu Carlos.
- Minha senhora, minha mãe não tem nenhuma galinha. E quem é Carlos?
- Você entendeu o que eu quis dizer. São dois safados aqueles, aqueles...
- Aceita uma água?
- Não, quero meu Carlos!
- Mas me conte o que está te deixando tão aflita.
- Você não percebe que sua mãe é amante do meu marido? Eu sei que sim, apesar de nunca ter visto os dois juntos de fato, mas tenho certeza.
- Como pode ter certeza de algo sem provas?
- Eu já vi o modo como ele abre a porta de entrada pra ela, como dá "Bom Dia" ou aperta o botão do elevador. Parece que é mais especial...
- Bom, realmente temos um caso grave de traição por aqui.
- Quero pegar os dois na cama agora e acabar com essa situação.
- Parece ser uma missão difícil nesse exato momento.
- Vamos, garoto. Cadê sua mãe? Fala logo, porque quando eu vê-los.. Mas por que seria uma "missão difícil" ?
- Não moro com a minha mãe desde que eu fiz 20 anos.
- Aqui não é o apartamento 403?
- Não, é o 203.
- Bem, se você passar pelo Carlos, diga que eu o espero ansiosa no 605. Obrigada pela água.

A vizinha, que não era esperta nem nada, deu meia volta e foi saindo.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Qual cor?

- Sabe qual cor ficaria bem nessa parede?
- Não.
- E não quer saber?
- Por que eu não iria querer saber?
- Porque você não fez a pergunta...
- Qual?
- Essa!
- Você, por acaso, parou de tomar os remédios ou simplesmente ainda não largou as drogas?
- Não, palhaço... esperei você perguntar: "E qual cor ficaria bem nessa parede?". Mas você não o fez.
- Claro! Você nem me deu tempo.
- Mas isso não é algo que demanda tempo, é instantâneo. Assim como, por exemplo, quando alguém te pergunta: "Você conhece o Marcos?". Ou você responde: "Sim, por que?" ou "Não, por que?". A pergunta secundária que vem depois da resposta primária já é algo natural.
- E quem é Marcos?
- O que?
- Reposta errada. Quem diabos vem a ser Marcos e o que ele faz na nossa conversa?
- Eu não conheço nenhum Marcos. Acabei de inventar.
- Mas você não pode sair por ai inventando personagens com nomes comuns.
- É isso que eu faço: ilustro exemplos com personagens fictícios. E eu não "sai por aí". Ainda estou aqui. E o que você tem contra os nomes comuns?
- Bom, eu conheço um Marcos. Ele vendia figurinhas de álbum para mim na quinta série.
- Aquelas do Pokémon?
- O que?
- Não te irrita o rumo que sempre tomam nossas conversas?
- O que? Ainda estou pensando nas figurinhas que eu comprava. Tinha uma prateada que valia 0,34 centavos. Que nostalgia.
- Nostalgia dá barriga de chopp.
- Beber cerveja também.
- Por falar em beber, quero sentar.
- E qual a ligação entre as duas coisas?
- Bom, você bebe cerveja em pé? Só se faltar cadeira no bar, e ainda sim, dá pra sentar na mesa.
- Lá em casa eu bebo deitado. Tem um cigarro ai?
- Eu não fumo. Em 10 anos de convivência, você ainda não tinha percebido? Provavelmente terei cancêr fumando passivamente assim por todos vocês.
- Tá, tem um cigarro ai?
- Cansei de ficar olhando pra essa parede. Do que estávamos falando mesmo e por que estamos parados aqui?
- Era alguma coisa sobre um Marcos que vendia figurinhas na sua escola e bebia cerveja em pé.
- Não, não. Lembrei. Sabe qual cor ficaria bem na parede?
- Lá vamos nós de novo...

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Ele entendeu...

Se algum dia me perguntarem

O que é amor?

Jamais saberei responder

Não pretendo ensinar a arte da paixão

nem tenho dom para isso mesmo que quisesse

Pode ser natural como o dia ou a noite

ou intencional tal qual aquelas chuvas de verão

O fato retrata, pois, ambigüidades relevantes

Abraços encontros

Encantos amassos

Assim, então, quem sabe

Se algum dia me perguntarem

O que é amor?

Arrisco responder.

domingo, 18 de abril de 2010

Internos

"Como posso passar pela porta sem ser notado? Impossível. Tem sempre alguém ali dando uma de segurança de casa noturna. Se bem que a única diferença entre esse lugar e um bordel são os móveis. Nunca vi tais esculturas africanas de madeira nessas casas promíscuas. Bom, é fácil deduzir o porquê desse fato: nunca fui à uma. Meu pai costumava usar seu poder de persuasão para me introduzir logo na grande Cadeia Mundana do Pecado. 'Eu pago uma bacana para você, meu filho'. Palavra engraçada: bacana. Em pleno século 21, só mesmo da boca dele, eu ainda poderia ouvir estupenda palavra. 'Tempos bons aqueles em que papai aqui era Rei. Sabe o que significa isso? Não, acho que não. Você ainda está muito novo pra entender. Um dia será também'. No final das contas, nunca precisei mesmo do dinheiro nem das dicas dele para chegar aonde estou nesse momento. O que não me parece nada mal, mas também não é de tamanho agrado, já que a satisfação plena e vital que tanto procuro é algo dificil de ser alcançada. Os amigos que tenho são suficientes para se dividir a conta, os colegas que fiz são suficientes para se subtrair as bebidas e o resto é apenas figurante do tipo discordante crônico, daqueles que não passam despercebidos apenas pelo fato de nunca concordarem com algo que você faça. Infelizmente, hoje e aqui, estou rodeado majoritariamente por figurantes e alguns poucos conhecidos. Por que mesmo resolvi vir pra cá? Devia ter ficado em casa fazendo o que faço de melhor: nada, assim como meus amigos. Desse ângulo, aquela menina esquelética e ruiva não me parece tão estranha dançando sensualmente com mais três pessoas, as quais nem o sexo posso distinguir. Provavelmente a luz favoreceu... ou a falta dela. Nessas horas não importa qual seja sua formação acadêmica ou parental: toda e qualquer moral falsa se dissipa ao som dos primeiros acordes que anunciam a promiscuidade. Pior do que isso é ficar de fora da banda, como estou agora. Se ao menos eu estivesse com fome, poderia fazer companhia às bandejas de petiscos e à jarra com certa mistura alcoólica não identificada. Pelo menos a música é simpática, lembro-me daquela ingrata durmindo ao som do rádio ligado. Estou com a sensação de que esqueci algo em casa ao sair. Sempre tenho... Droga, a televisão ligada! Acho que ninguém aqui sentiria minha falta se eu voltasse agora para desligá-la. São tão raros os momentos em que paro para assistir algo, que, quando o programa termina, esqueço que existe um botão adverso ao ON. 23:40. Deve estar começando 'Lady Vingança' agora. Finalmente hoje vou dar continuidade a essa trilogia espetacular. Já é um excelente motivo e argumento para voltar à minha casa o mais rápido possível. Acho que agora eu consigo sair sem ser notado."
- Fernando, o que você está fazendo sentado ai sozinho na sala, rapaz? Não estava pensando em ir a algum lugar, estava? Vamos pra piscina. A Renatinha falou que vai entrar e você não vai querer perder esse show, né?!
- Não, não. Meu pai não perderia. "Merda."

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Diálogos

- Levante.
- Você é um deles?
- Acha que sou?
- Já não consigo mais distingüir o duvidoso do certo. Então, nada acho.
- Não se preocupe. Levante.
- Aonde vamos?
- O que importa não é aonde e sim porque.
- Então, por que?
- Você faz muitas perguntas e costuma ter poucas respostas. Vê esse buraco?
- Sim, mas não faz sentido. Ele nunca existiu até agora.
- Engana-se, minha cara. Ele sempre esteve aqui. A pergunta é: onde VOCÊ esteve esse tempo todo?
- Eu? Provavelmente aqui esperando por você. Como se chama?
- Nomes são apenas mecanismos introdutórios desnecessários. Não preciso de um, afinal já me apresentei simplesmente com palavras. Nem você vai precisar disso.
- Mas eu tenho um: chamo-me Car...
- Já disse que será desnecessário. O que vê através do buraco?
- Engraçado você perguntar isso. Eu me vejo.
- E como você está?
- Pálida, triste e velha. Estranho, pois não me imaginava assim no futuro.
- Por que não? Não pensou que o tempo e seus infortúnios pudessem te atingir, não é mesmo? Viver aqui no quarto, trancada a maioria do tempo, não vai conter o que te espera, Carolina.
- Tenho medo de pensar que a morte é um personagem materializado e cômico, assim como nos desenhos. E um dia, virá vestida de preto para julgar os pecados da alma condenada. Ei, como você adivinhou meu nome?
- E quem disse que ela não é? Ouvi dizer que ela pode se materializar e que a comicidade é sua maior aliada. Traz simpatia a ela. Se os humanos gostam tanto de rir, então por que disfarçam sua paixão pela Morte?
- Não me respondeu como sabe meu nome se eu nem te falei.
- Você já está na minha lista há algum tempo.
- Pera ai. Quem você disse que era mesmo?
- Eu? Sou apenas um amigo cômico que te mostrou um futuro inexistente. Não tenha medo. Podemos ir?
- Mas e minha mãe? Será que ela vai sofrer muito depois de ter me visto deitada sem vida no chão?
- Ela se acostumará depois de um tempo, afinal será só o seu corpo pálido, triste e jovial que estará ao lado da cama. Vamos! Temos hora marcada e já estamos atrasados para o julgamento.
- Ah, reparei que você não está de preto.