domingo, 18 de abril de 2010

Internos

"Como posso passar pela porta sem ser notado? Impossível. Tem sempre alguém ali dando uma de segurança de casa noturna. Se bem que a única diferença entre esse lugar e um bordel são os móveis. Nunca vi tais esculturas africanas de madeira nessas casas promíscuas. Bom, é fácil deduzir o porquê desse fato: nunca fui à uma. Meu pai costumava usar seu poder de persuasão para me introduzir logo na grande Cadeia Mundana do Pecado. 'Eu pago uma bacana para você, meu filho'. Palavra engraçada: bacana. Em pleno século 21, só mesmo da boca dele, eu ainda poderia ouvir estupenda palavra. 'Tempos bons aqueles em que papai aqui era Rei. Sabe o que significa isso? Não, acho que não. Você ainda está muito novo pra entender. Um dia será também'. No final das contas, nunca precisei mesmo do dinheiro nem das dicas dele para chegar aonde estou nesse momento. O que não me parece nada mal, mas também não é de tamanho agrado, já que a satisfação plena e vital que tanto procuro é algo dificil de ser alcançada. Os amigos que tenho são suficientes para se dividir a conta, os colegas que fiz são suficientes para se subtrair as bebidas e o resto é apenas figurante do tipo discordante crônico, daqueles que não passam despercebidos apenas pelo fato de nunca concordarem com algo que você faça. Infelizmente, hoje e aqui, estou rodeado majoritariamente por figurantes e alguns poucos conhecidos. Por que mesmo resolvi vir pra cá? Devia ter ficado em casa fazendo o que faço de melhor: nada, assim como meus amigos. Desse ângulo, aquela menina esquelética e ruiva não me parece tão estranha dançando sensualmente com mais três pessoas, as quais nem o sexo posso distinguir. Provavelmente a luz favoreceu... ou a falta dela. Nessas horas não importa qual seja sua formação acadêmica ou parental: toda e qualquer moral falsa se dissipa ao som dos primeiros acordes que anunciam a promiscuidade. Pior do que isso é ficar de fora da banda, como estou agora. Se ao menos eu estivesse com fome, poderia fazer companhia às bandejas de petiscos e à jarra com certa mistura alcoólica não identificada. Pelo menos a música é simpática, lembro-me daquela ingrata durmindo ao som do rádio ligado. Estou com a sensação de que esqueci algo em casa ao sair. Sempre tenho... Droga, a televisão ligada! Acho que ninguém aqui sentiria minha falta se eu voltasse agora para desligá-la. São tão raros os momentos em que paro para assistir algo, que, quando o programa termina, esqueço que existe um botão adverso ao ON. 23:40. Deve estar começando 'Lady Vingança' agora. Finalmente hoje vou dar continuidade a essa trilogia espetacular. Já é um excelente motivo e argumento para voltar à minha casa o mais rápido possível. Acho que agora eu consigo sair sem ser notado."
- Fernando, o que você está fazendo sentado ai sozinho na sala, rapaz? Não estava pensando em ir a algum lugar, estava? Vamos pra piscina. A Renatinha falou que vai entrar e você não vai querer perder esse show, né?!
- Não, não. Meu pai não perderia. "Merda."

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